sábado, 3 de outubro de 2015

AS CRIANÇAS POBRES DOS MEIOS RURAIS


AS CRIANÇAS POBRES DOS MEIOS RURAIS

Texto de Paulo em Filhos de um Deus Menor



A criminalidade infantil é uma realidade inquestionável. Os criminologistas dos nossos dias ainda não estão sensibilizados para compreender certas espécies de crianças -incendiarias, ladras, mentirosas, das que urinam na cama, das de mau génio, etc...

Em nome dos superiores interesses da criança discutem-se - nos corredores dos tribunais, nas escolas, nos agregados familiares, infantários, creches - novos conceitos de educação infantil. Mas, ainda assim, cada vez mais se encontram crianças infelizes. Em hostilidade aberta consigo próprias, e, em consequência, em «guerra» com o quotidiano onde se movem.

Os mais variados especialistas, procuram, - sem êxito -nos seus «doutos» conhecimentos científicos, uma resposta para o fenómeno. Porém, para compreender o «fenómeno» é necessário não esquecer que hoje temos uma sociedade de crianças ricas e pobres. O Ministério da Educação e a Igreja, parece terem esquecido as crianças pobres dos meios rurais. 

Infelizmente - por mais estranho que possa parecer - as crianças pobres têm no Ministério da Educação e na Igreja dois sistemas, cujos fins específicos parecem estarem ao serviço da desvalorização e repressão psicológica, dos sectores pobres da sociedade. Sempre debaixo da aparência de «paternalismo», de quem cumpre fins ao serviço da cultura e da ajuda espiritual.

O Ministério da Educação, através da escola, impõe ao povo, como cultura única, os esquemas europeizantes das classes dominantes, ignorando completamente a cultura popular, de dentro, das terras do interior dos bairros degradados do interior. Nunca as crianças pobres de origem rural vêm consagrada a cultura e sabedoria populares, o mundo dos seus pais e da sua família; a escola, durante o dia, impõe-lhe formas urbanas, cosmopolitas e estereotipadas, como cultura «única». E à noite, as crianças dos meios rurais e dos bairros degradados do interior, voltam ao agregado familiar onde, tudo é diferente, onde se impõem normas de conduta social que a escola classifica de barbaras, inferiores. Para a escola, só a civilização ocidental e cristã, impregnada de «sonhos» e «banha da cobra», é verdadeira.

Os longínquos ídolos culturais, deram hoje lugar a figuras bizarras, sem escrúpulos nem «olhares» reais, que consomem desassombradamente , feitas de futilidades. Esta atitude tem sido uma constante da nossa educação. A Igreja é ela também cosmopolita estática, economicista. As crenças religiosas - prisioneiras da tradição - estão, hoje, esvaziadas de conteúdos motivadores.

A tudo isto junta-se um estranho facilitismo na obtenção de graus académicos para todos os gostos, inclusive para interesses políticos que, realmente, assentam em falsos sucessos escolares.

Vive-se uma época de «decapitação cultural». Ignorando a cultura popular, que se enraíza na terra - onde ninguém vai - e substituindo-a por outra, abstracta, fútil, que confunde as crianças dos meios rurais, despersonalizando-as, roubando-lhes a identidade cultural e, finalmente, fazendo-as a aceitar a ignorância e, assim, submetendo-as a «modernos» devaneios de toda a espécie...

Esta educação não será, certamente...para a liberdade e criatividade das crianças, para a realização e resgate dos valores das suas origens rurais, mas será, isso sim, a educação da castração e submissão a um mundo cruel.

Afinal, onde estão os mecanismos para se poder falar - fora da retórica e da demagogia - dos tão badalados «superiores interesses da criança»?

Paulo



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